quinta-feira, 9 de julho de 2009

Julieta e Romeu

Zabobrim e a missão do palhaço
Marcelo Manzatti, São Paulo (SP) · 21/8/2007 16:31
1overponto

Estado de São Paulo - Caderno 2 - sexta-feira, 17 de agosto de 2007Com seu personagem, Esio Magalhães comove e nos faz rir de coisas singelasCRÍTICAHUGO POSSOLOESPECIAL PARA O ESTADOPalhaço não nasce pronto. Fosse assim, grandes nomes como Arrelia ou Piolin, não teriam hesitado para entrar em cena a primeira vez. Ainda bem, que alguns persistem e aceitam a missão de se dar ao ridículo para fazer os outros rirem. É o caso de Zabobrim, fazedor de abobrinhas como seu nome sugere, interpretado por Esio Magalhães, do Barracão Teatro, de Campinas. Peço licença, não lá muito poética e quase deselegante, à sua parceria de cena, Mafalda, interpretada por Andrea Macera para me concentrar no excêntrico Zabobrim. Em A Julieta e O Romeu, que encerra hoje temporada no Teatro Fábrica, assiste-se a um palhaço daqueles que tocam fundo a alma de tanto que fazem a gente rir. Esio, ou melhor, Zabobrim leva a fundo sua tarefa, domina o tempo de suas brincadeiras, improvisa sem cerimônia e atua com o corpo, livre de imposições cerebrais, sugerindo que ele veio pronto. Mas é apenas parte da longa trajetória onde a capacidade intuitiva de Zabobrim foi forjada. Justamente a intuição, muitas vezes usada para menosprezar o ator que trabalhe independente dos ditames acadêmicos, é a grande fortuna da arte popular. Zabobrim não folcloriza o palhaço, mas satiriza a atuação dirigida e vigorosamente aplica-se em desfazer a lógica do pensamento hegemônico.Talvez o programa da peça se complique ao tentar explicar algo simples: estão ali para nos divertir, sem máscaras. Às vezes um nariz vermelho, que nada esconde quem o representa. O palhaço, por ser um arquétipo, é um pouco representação e um pouco o próprio ator. Só assim um palhaço é diferente do outro.Felizmente, Zabobrim segue a tradição pícara dos mestres do picadeiro. Emociona porque nos faz rir de coisas singelas, nos colocando em contato com uma ingenuidade que, por vezes, esquecemos ainda ser possível.Porém, não posso, simplesmente, dizer que gostei. Seria pouco. Sou apenas mais um palhaço que, aliás, poderia ser motivo de comentário, agradável ou desagradável, nessas mesmas páginas de jornal.Explico. Minha análise aqui tem função crítica. E, salvo raríssimas exceções, a crítica contemporânea dificilmente consegue enxergar a obra em seu contexto. Desconsidera o processo de trabalho do artista exigindo-lhe mais um produto de consumo que uma obra de arte. Pedir digestão rápida e boa embalagem, nesse globalizado mundo de resultados, tem transformado peças de teatro em latas de extrato de tomate. A crítica que se deixa ser guia de consumo prejudica o público, leitor de jornal, que ali busca orientação. Um apanhado subjetivo de ?gostei? e ?não gostei? reduz a complexidade da expressão artística a uma visão individualista que, em sua essência, não lê a realidade social, cultural e política na qual se insere a obra.Por exemplo, podemos ser bombardeados por uma avalanche de anúncios, que custam caro, divulgando um bom espetáculo internacional de palhaços, trazido por alguma grande empresa de entretenimento. A imprensa terá a tarefa de cobrir o evento. Que devemos fazer? Negar suas qualidades? Sermos xenófobos?Acho que não. Valorizemos os talentos que temos e sejamos oswaldianamente antropófagos. Sejamos Zés Celsos nus cavalgando pelas pequenas Ágoras desta cidade e usemos o poder do teatro.Assim, Zabobrim não pode ficar limitado a ser um bom palhaço. É mais. É um valor simbólico gerado sobre o circo brasileiro, que os meios de comunicação têm dificuldade em captar, dar visibilidade ou traduzir. É marca de um momento de maturidade de vários palhaços como o Padoca, de Fernando Sampaio, ou a Margarita de Ana Luíza Cardoso, ou o João Grandão, de Márcio Ballas.Representa a força que o palhaço brasileiro vem recuperando com publicações como Palhaços de Mário Fernando Bolognese, ou o mais recente O Elogio da bobagem, de Alice Viveiros de Castro ou ainda, saindo do forno, Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense de Ermínia Silva.É, também, fruto da luta de vários artistas de Campinas que, há mais de dez anos, no bairro de Barão Geraldo, firmaram a opção pela descentralização da difusão e da pesquisa teatral.Talvez não precisássemos de Zabobrim para destacar isso. Porém, o espetáculo A Julieta e O Romeu traz uma clara metáfora sobre uma interpretação anacrônica, representada pela diva Mafalda, que é engolida pela avidez instintiva do palhaço e sobrevivente Zabobrim.Não se pode confiar nos palhaços, que dizem tantas bobagens que, de tão tolas, nos jogam de frente a verdades que passavam ao largo.Vai Zabobrim!... Segue dançando com tua vassoura, enche o mundo de abobrinhas que nem são tão abobrinhas assim, e varre com alegria a tal tristeza que vive a nos espreitar.
Hugo Possolo, palhaçoe dramaturgo, é também diretordo grupo Parlapatões e do Circo Roda Brasil.ServiçoA Julieta e o Romeu, 75 min. Teatro Fábrica São Paulo ? Sala 1 (134 lug.) Rua da Consolação, 1.623, tel. 3255-5922. Hoje, às 21h30. R$ 30. Último dia

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